Tom Curren, Mason Ho e uma semana vasculhando a costa de uma ilha repleta de ondas bombardeada por tempestades do Pacífico Norte… Este é o #TheSearch
O sexto tufão do ano parecia promissor. Como seus irmãos atmosféricos, os ciclones do sul e os furações do norte, os tufões podem apresentar o yin ou yang da natureza: alegria para alguns e devastação para outros.
Isso nunca ficou tão evidente quanto agora, pois enquanto estava a caminho de um promissor encontro cheio de ondas no Pacífico Norte, um horror triplo liderado pelo Furacão Irma estava destruindo o Caribe, olhando para Flórida com seus três olhos malignos. Enquanto isso, como se a ira da natureza não fosse suficiente, o desvairado déspota Kim Jon-Un estava disparando mísseis em torno do local como uma criança malcriada com um estilingue. Por que é que ditadores tão frequentemente parecem ser figuras cômicas, até mesmo ridículas, e ainda, simultaneamente, psicopatas assassinos? Alguma coisa sobre suas naturezas infantis os tornam ainda mais ameaçadores. Ficamos na torcida e na esperança de que os líderes mundiais não cruzem uma linha racional. Surfistas procuram bombas, mas não desse tipo.
Falando em personagens interessantes – e razoáveis – eu não poderia ter ficado mais feliz com os dois com os quais iria fazer essa viagem. Um deles era Tom Curren, que se você não conhece, provavelmente não deveria nem estar lendo isso. Com seus cinquenta anos, ele ainda surfa melhor do que a grande maioria dos surfistas no planeta, e francamente, está tão à frente de seus amigos com a mesma idade que é até falta de respeito compará-lo com senhores surfistas de 50 anos. Mason Ho era para ser o coadjuvante de Curren, e reuniu muitos fãs por sua incrível personalidade e abordagem nos tubos, bem como seus incríveis clipes nas redes sociais, estimulando novos limites para os aéreos, as vezes passando por cima de rochas e bancadas expostas. E, obviamente, suas singulares entrevistas pós-bateria – uma torrente hilária de comentários que são mais que um sopro de ar fresco se comparadas com as entrevistas básicas dos outros competidores – são pura personalidade. E, no mundo de hoje, originalidade como essa não tem preço. Compare-as com os banais comentários triviais “Estou disputando uma bateria por vez” que a pobre Rosie Hodge geralmente tem que ouvir, e você perceberá como as coisas poderiam ser mais divertidas.
Essas ilhas reforçam uma cultura tão antiga quanto o tempo, e um idioma tão diferente do inglês quanto o deserto é do oceano.
A forma escrita do idioma é igualmente diferente de nossas próprias letras arábicas. Os caracteres são mais parecidos com hieróglifos, exceto que são versões estilizadas, como puras obras de arte abstratas. Algumas vezes você consegue ter uma ideia figurativa representacional deles, mas logo que você se aproxima eles parecem se dissolver em puro design. Possuem uma beleza etérea, e não tenho certeza se isso vem de sua novidade ou se são apenas obras simplesmente incríveis por si próprias.
Ao acompanhar esse paradigma, as pessoas parecem viver, criar e até mesmo comer de uma forma similarmente elegante, reminiscente dos Balineses que vivem por toda sua existência com a alma elevada. Nos jardins de muitas casas aqui, as pessoas cultivam árvores surrealmente torcidas e retorcidas. Possuem um aspecto tortuoso, quase angustiado – como homens velhos se curvando com a brisa. Eles nos lembram bonsais gigantes. Passamos por muitas dessas casas quando dirigíamos ao sul desde o aeroporto para encontrar Tom, que já estava descendo a costa. Amigos e surfistas locais – Nalu, um atleta da equipe Rip Curl, e Kai – me pegaram, e nos ajudariam como guias através das barreiras do idioma, costumes culturais, e com sorte, também encontrando algumas boas ondas.
À medida que dirigíamos a mais ou menos uma hora para o sul onde Tom estava esperando, eu saboreava com meus olhos uma região costeira muito singular. Não há nada melhor que comparar a realidade de um lugar desconhecido com a ideia que você tinha anteriormente do local. Esta é uma das inúmeras recompensas em viajar.
As ondas tinham definitivamente chegado e eu aproveitei para visualizar rapidamente alguns reef breaks e bancadas, tentando continuar focado no visual, quando de repente ele sumia regularmente, cortado bruscamente pelos intermináveis túneis escavados através dessa ilha montanhosa e fortemente arborizada com pinheiros.
A costa aqui é tão complexa e cravejada de ilhas, enseadas e grandes baías, que algumas vezes é difícil medir o tamanho e a direção das ondas, pois o humor do oceano muda a cada curva da costa. Isso, contudo, proporciona muitas possibilidades de proteção ao vento, sendo que o truque em dias de vento terral era encontrar o local com maior exposição das bancadas ao swell com a direção certa do vento. As linhas costeiras são caracterizadas por formações de rochas vulcânicas bizarramente estriadas, algumas delas tão retas quanto o cano de uma arma que é difícil acreditar que não foram feitas pelo homem.
Eventualmente nos deparávamos com uma grande baía arenosa. Na ponta norte de uma das ilhas, um banco de areia tinha se formado e estava produzindo ondas longas e rápidas que quebravam para direita. Embora não estivesse alinhada com a direção da ondulação, você podia ver o potencial desta bancada. Infelizmente estava mal posicionada para as condições atuais, pois as ondas tinham somente três pés, oferecendo assim condições abaixo do que esperávamos. Havia, entretanto, um reef à direita, mais à oeste da ilha que proporcionava um conjunto melhor de opções – Vento terral e ondas perfeitas com cerca de 6 pés. O único problema era que haviam rochas do tamanho de carros que apareciam no meio das ondas, e bolhas estranhas aparecendo aqui e acolá.
Foi nesse momento que Tom apareceu, já bem animado e bem humorado. “Oi! Oi! Ótimo dia Sparksie! Como vai parceiro? Yeah, nah, yep, yep, sweet, ‘ken oath cobber!”
Ele é um dos melhores imitadores de australianos que já vi entre os americanos, nunca caindo na armadilha do sotaque Cockney que a maioria deles parecia cair. Ele andava com tantos australianos que sabia como fazer uma boa piada com o sotaque ozzie “No roight turn at Ryde Roawd”. Ele tem andado por essas ilhas há tempos, tocando música em uma série de festivais com bandas locais, e parecia conhecer bem algumas ondas.
“Elas são rápidas, Na verdade, eu chegaria a dizer que geram velocidade até então desconhecida à humanidade.” – Tom Curren
Você pode estar familiarizado com o fato dele estar surfando regularmente de skimboard, e eu estava curioso para ver isso. Elas são parecidas com pranchas largas, e sua falta de flutuação forçou ele a colar pedaços e feixes de espuma na parte de cima da prancha. Elas parecem muito grosseiras, especialmente aquela que ele próprio fez de espuma e lascas de bambu. Elas possuem um ar de excentricidade, todas incompletas e irregulares, sem acabamentos estéticos, apenas refletindo que era o suficiente para um gênio surfar com aquilo.
Tom se deliciava com meu horror. “Elas são rápidas”, ele sorria. “Na verdade, eu chegaria a dizer que geram velocidade até então desconhecida à humanidade”. Eu tentava parecer impressionado, mas ainda estava com dúvidas. “Eu fiz esta”, disse ele, puxando uma que era obviamente mais primitiva do que a primeira dupla de pranchas modificadas feitas “profissionalmente”. Era um pesadelo de espuma e cortiça com bambu.
“Você não precisa de muita curva de fundo, pois elas são tão finas que a prancha cria sua própria curva de fundo, através da flexão transmitida pela força das ondas. As curvas permitem isso, pois a flexão será menor no ponto mais largo, e maior nos pontos mais estreitos. E você sabe como consegui a curva inicial ideal? Eu usei a transição em uma rampa de skate, onde a parte plana do fundo da rampa se funde com a curva inicial que vai subindo a rampa.”
Tentei pensar em alguma pergunta mais inteligente ou observação sarcástica, mas engasguei. Fui salvo pelo súbito comentário de Tom em relação a uma bancada com ondas não tão boas à direita.
“Tem certeza de que quer surfar nessa?” Parece meio estranho… embora parecesse muito irado com aquele cenário da ilha ao fundo. Tom dança seu próprio ritmo, e já estava aprontando suas “pranchas”. A onda era mais assustadora do que eu pensava inicialmente, mas ele tirou de letra e já estava surfando sua primeira onda, enquanto todos os outros ainda estavam colocando as quilhas em suas pranchas.
Mason e seu parceiro de aventuras e filmagens, Rory Pringle, chegaram esta noite e voaram direto para um churrasco em nossa casa no topo de uma montanha. Do alto um visual para uma grande baía repleta de reef breaks e barcos atracados, que parecia oferecer possibilidades tão infinitas quanto a vista sobre o azul cobalto do Pacífico.
No churrasco, as pessoas pareciam sair do nada. Havia amigos do Tom e amigos dos seus amigos, e a infindável etiqueta social desses afáveis locais era, algumas vezes, quase insuportável. Acho que devem ser tão amistosos quanto os nativos de Fiji, e a admiração que tinham por Tom era incrível. Uns trinta anos após o seu auge, ele ainda é parado por surfistas para tirar fotos diversas vezes por dia, e ele faz isso sem dificuldades, atendendo seus súditos leais com paciência, não diferente da paciência que ele demonstra esperando pelas maiores da série.
“Eu adoro quando meu pai conta as histórias antigas, nem me importo em ouvi-las de novo e de novo…” – Mason Ho
Mason não estava muito atrás; essas pessoas conhecem suas histórias. O grande número de surfistas que o reconheciam era testemunho de seu impacto em todo o mundo. Ele estava muito feliz, e distribuia mais cumprimentos que em um luau em Ehukai.
Tendo crescido sob o olhar atento do lendário surfista havaiano, Michael Ho, Mason faz parte da história do surf havaiano, e adora cada uma das histórias antigas de surf de seu pai.
“Eu adoro quando meu pai conta as histórias antigas, nem me importo em ouvi-las de novo e de novo. Realmente presto atenção e lembro dos detalhes para ver se consigo pegá-lo na próxima vez que contá-las, ai eu posso dizer “Ah, eu sabia que era mentira’, mas ele sempre as conta do mesmo jeito. É muito louco, pois eu sei que é real. Amo MP (Michael Peterson), então estou sempre pressionando meu pai a contar histórias do MP. Ele tem alguns anos a mais que meu pai, então é como se meu pai fosse o surfista mais jovem. Adoro aquela sobre eles dirigindo até Bells desde a Gold Coast, com MP pisando fundo. Sempre que passavam por um caminhão grande, MP colocava seus dedos no para-brisas para fazer com que as pedras que voavam do caminhão não quebrassem o vidro. Algumas vezes uma lasca de vidro voava e MP falava “Viu, Hoey?! Eu salvei você dessa vez!” Meu pai pensava “Talvez se não estivéssemos a 150 quilômetros por hora, não precisaríamos ser salvos”, mas sendo o novato, ele nunca diria isso. Num determinado momento o para-brisas estilhaçou, então MP empurrou o que sobrou para fora, colocou seus óculos de aviador e continuou dirigindo! Clássico.”
Nos acostumamos a comer muito bem, sempre recarregando as energias para uma próxima sessão de surf, muitas vezes comendo a comida mais incrível que jamais havia comido em lugares inusitados.
Mesmo em lojas de conveniência você encontra ótima comida. Você podia pegar qualquer coisa embalada das prateleiras que sempre era algo bom, diferente da porcaria que encontramos nas lojas de conveniência Australianas ou Americanas. Os restaurantes sempre eram de alto nível, comida tão tentadora que quase sempre comíamos demais.
Os nativos aqui adoram uma boa bebida e adoram rir. Um de seus drinks favoritos era shochu, uma espécie de bebida destilada da batata. Sua suavidade esconde um astuto gancho de esquerda na orelha.
Kuni, um apreciador de shochu e amigo de Tom de longa data, tinha fugido de sua antiga casa no norte alguns anos atrás durante um terremoto, e com um aviso de tsunami emitido, pegou sua bicicleta e pedalou por sua vida, rumo ao sul por 9 horas sem parar.
“Eu nunca olhei para trás”, disse Kuni. “Nem uma vez. Eu apenas pedalei.” Ele acabou vivendo no extremo sul desta ilha, em um penhasco íngreme sob um farol, com sua esposa e duas crianças pequenas. Há reef breaks espalhados em torno das enseadas abaixo, e cavalos selvagens vagam pelos morros verdes desta bela península.
Mason é uma mina de energia, bombardeando todos com suas histórias hilárias entre as sessões de surf e sempre está pronto para qualquer coisa. Ele adora uma piada e não consegue parar de rir.
“Eu tive este sonho uma vez,” ele começou, enquanto saíamos para ver as ondas. “Eu estava em V-Land perto de Sunset Point, então percebi que estava sonhando! Eu pensei, “Posso ter qualquer coisa que quiser aqui, pois é um sonho” Então imaginei que uma Loja dos Sonhos seria boa, e pensei em uma que pudesse escolher garotas, pranchas de surf, carros, tudo o que quiser. Entrei nela, peguei um de cada, saí e fui surfer em V-Land, ha ha!”
Eu perguntei a ele qual garota ele escolheu. “Ah, uma egípcia! Ela era linda…”
A maioria de nossas viagens de carro era marcada por muitas risadas; quanto mais a conversa se desenrolava para histórias cada vez mais debochadas, mais ficava óbvio para nós o quão malucos esses caras eram.
Não há maneira melhor de se sentir bem quanto você tem a percepção de que o cara seu lado é mais doido do que você. Mason é animado, vivo, dinâmico. Ele saboreia a vida como um pedaço de bolo de chocolate; ele apenas enche a mão, coloca na boca e aproveita cada segundo.
Sua reverência por Tom é óbvia e esse profundo respeito vai além das habilidades de Tom como surfista. Está de acordo com a percepção de quem veio antes dele, estabelecendo os padrões em vários aspectos. O nível de respeito é estratosférico. Numa manhã eu perguntei a Mason o que ele queria fazer, e ele respondeu: “Vou surfar onde Tom for surfar”.
Em uma tarde ensolarada, visitamos uma exuberante praia com boas ondas, com series sólidas de seis a oito pés no canto norte. Onda intensa e muito temperamental. Se posicionar no lugar certo era difícil, quanto mais pegar a onda certa.
Tom não enfrenta a correnteza e deixa ser levado para fora, conseguindo finalmente uma bomba que se reforma no inside e fica quadrada. Seu skimboard é muito rápido, e ele mal consegue reduzir sua velocidade o suficiente para ficar totalmente entocado.
Suas pranchas parecem ser, em vez de arte funcional, mais como um grande desafio ao seu raro talento. Alguém que já surfou tantas ondas, e o fez tão facilmente por tanto tempo, que precisa de desafios maiores para permanecer interessado no esporte. Ninguém de nós, exceto Kelly, consegue compreender essa mentalidade. Dito isso, ele apresentou performances memoráveis com suas pranchas durante anos, talvez mais por causa de seu talento nato e não por causa das pranchas.
Chegamos em um restaurante somente de locais em direção ao fim da viagem – um lugar modesto com um menu pequeno, cheio de nativos que não tínhamos conhecido. Tom era o centro das atenções, a vida da festa, a própria antítese da percepção pública dele.
Sua imagem pacata moderada está aqui agora para ser vista, quando está com seus amigos e as pessoas que ele conhece bem. Ele estava animado nesta noite, juntando piadistas com um monólogo contínuo que era simultaneamente hilário e inteligente. Ele fez um comentário sobre um tubo épico que ele viu Mason Ho pegar quando voltava do inside em Sunset Beach, que Mason devorou como um pedaço de bolo. Foi perfeito.
A especialidade da casa era frango. Grelhado; empanado, ensopado; até sashimi de frango. Quando essa última entrada foi servida, olhamos para ela com certo espanto. Então, nos olhamos e fizemos o que tinha que ser feito. Tinha o gosto de frango, algo do tipo…. essência de ave. Os nativos estavam entusiasmados conosco por mergulharmos de cabeça. Na verdade, estão sempre entusiasmados. Era como se tivéssemos saído para jantar com eles, como se fossemos da turma. Percebi que as pessoas aqui sabem realmente como viver.
Algumas pessoas trabalham muito durante toda a vida, achando que estão acumulando riqueza. Não. Na verdade, estão ficando mais pobres. Estão desperdiçando o único ativo real que todos nós temos: nosso tempo!
Gastar um ativo de valor infinito fazendo coisas que geralmente não estão de nenhuma forma nos satisfazendo, parece insano. Enquanto acumulam lucros indecentes, sua verdadeira riqueza – a juventude – diminui a uma taxa exponencial. Você não pode recuperar esses anos com um super fundo, ou um carro de luxo, da mesma forma que não pode surfar ondas que já quebraram.
No final das contas, quem sabe o que está por vir? A terrível sobrinha da Irma pode aparecer, ou Kim Jong-Un pode acabar disparando realmente seu grande estilingue, e Deus nos ajude se ele e o Donald Duck realmente entrarem nessa. Nós plebeus não podemos fazer muito a respeito, então vamos surfar, e aproveitar a vida. Por que não trabalhar um pouco menos? Embarque numa viagem de surf; procure aquela garota; se jogue naquela festa; viva livremente. Vá e Busque.
Por que viver um pouco, quando se pode viver muito?