Uma jornada aos confins da Terra
Não The Search com os tuberiders sul-americanos Bruno Santos e Guillermo Satt.
“Estamos no meio do Pacífico. Numa ilha criada por rochas vulcânicas que é espancada diariamente por ondas enormes”.
Esse é o fotógrafo australiano Ted Grambeau falando. Se você conhecesse Ted, seria capaz de reconhecer o som da voz em qualquer lugar; o volume aumentando a cada sílaba. Seu sotaque australiano característico é expelido a cada palavra, formando frases que você só entende o que ele quer dizer quanto ele termina de falar.
“Este local… o surfe… não é para quem tem coração fraco. Se embarcamos nessa, iremos em busca de algumas das ondas mais hardcore que se pode encontrar. É um local isolado, perigoso e estaremos desafiando condições poderosas”. – Ted Grambeau
Dois dias antes dessa erupção vocal, Ted telefonou para a sede da Rip Curl em Torquay. Ele disse que sabia de um lugar com grande potencial, e que esse lugar estava prestes a ser absolutamente esmagado pelas ondas. A previsão indicava que o vento estaria na direção certa. A direção da ondulação não importava. A única coisa que importava é que seriam dois dias de viagem e o relógio estava correndo.
Se a ligação tivesse vindo de outra pessoa, de um fotógrafo entusiasta tentando embarcar numa viagem, a resposta teria sido não. Mas ela veio de Ted, e de todos os fotógrafos do mundo, Ted pode ser considerado “O Cara”. Ele passou a maior parte das últimas três décadas catalogando ondas, olhando para mapas e aprendendo a decifrar o oceano.
“Não podemos simplesmente levar qualquer surfista”, ele disse. “Este local… o surfe… não é para quem tem coração fraco. Se embarcamos nessa, iremos em busca de algumas das ondas mais hardcore que se pode encontrar. É um local isolado, perigoso e estaremos desafiando condições poderosas”.
Dois surfistas da equipe de elite da Rip Curl se alistaram para a missão – Bruno Santos, brasileiro de 34 anos, e Guillermo Satt, chileno de 24 anos de idade. Os dois já se conheciam a bastante tempo, não só como companheiros de equipe, mas também como parceiros de viagem, tendo passado alguns meses juntos perseguindo ondulações tubulares pela América do Sul.
Bruno emplacou seu nome no surf de ondas grandes quando ganhou em 2009 a etapa do Circuito Mundial em Teahupoo vindo das triagens, e desde então continuou sua carreira como “Searcher” em tempo integral, perseguindo tubos de todos os tamanhos em locais remotos do planeta. Guillermo Satt, uma década mais jovem, está apenas começando a seguir os passos do amigo brasileiro, mas já se destaca em condições desafiadoras.
Em 48 horas, Bruno, Guillermo, Ted e o cinegrafista Jon Frank estavam chegando num minúsculo aeroporto de uma pequena ilha no meio do nada. Ao abrirem as portas, foram recebidos por um vento forte e uma leve chuva. Na chegada, eles encontraram um dos experts na região, que atende pelo nome de Alemão de Maresias. Eles estavam prestes a surfar algumas das ondas as mais aterrorizantes e recompensadoras de suas vidas.
“Havia uma expectativa muito grande em torno desta viagem”, disse Ted. “Foi uma espécie de drama, porque só quando você chega no litoral consegue perceber onde está e como realmente estão as condições, já que não há ninguém por perto para te passar um report. É provavelmente uma das costas mais expostas que existe e ela não é nem um pouco amigável”.
Em um lado da ilha há uma grande baía perfeitamente delineada por um penhasco cuja face mergulha no oceano. Uma onda corre ao longo das falésias e depois baía adentro. Quando o mar fica grande, se torna uma onda slab que pode chegar aos 12 pés explodindo bem em cima do reef. Diminuída pela perspectiva das gigantes montanhas vulcânicas que a cerca, a onda parece uma esquerda perfeita, tipo cartão-postal, mas de perto, não é bem assim.
“Ela não parece tão impressionante até você colocar um ser humano lá perto como referência”, diz Ted. “Os pequenos pontos na colina que você acha que são rochas, na verdade são vacas e cavalos. Quando você entende essa perspectiva, você percebe quão grande essa ondulação realmente é. Nós rapidamente descobrimos que o surfe de seis pés visto à distância era na verdade ondas de 10 a 12 pés. Isso mudava tudo o que tínhamos planejado”.
Não importa quão bela a onda seja, ao entrar na água você precisa estar preparado para as consequências. A entrada no mar é complicada, potencialmente mortal. “É preciso saltar de um penhasco de 20 pés de altura para entrar no oceano”, Ted explica, “e você ainda tem que atravessar a baía remando, que, dependendo do tamanho das séries pode te surpreender com uma onda de 15 pés na cabeça mesmo antes de você chegar ao pico. Depois que você entra na água, você logo pensa… Como vou sair daqui? O único jeito é escalar de alguma forma essa mesma face de pedras, cronometrando o tempo entre as séries que explodem nos rochedos. É pico muito louco, apenas para surfistas experientes. Tenho certeza que um monte de caras do Circuito Mundial não se sentiriam confortáveis aqui”.
Junte a natureza bruta da paisagem com uma distinta desconexão do mundo exterior e você se encontrará em um ambiente traiçoeiro, de alto risco. Tudo nesta ilha pode ser multiplicado devido a intensidade que as coisas acontecem.
Depois de uma sessão, Bruno contou ao pessoal que “os médicos deveriam colocar monitores de coração nos surfistas que remam aqui! Não é um pico nada suave!”.
O outro lado da ilha não é diferente. A maioria dos lugares no mundo com altas ondas, recebem ondulações geradas a milhares de quilômetros de distância. Nesse local não é diferente e ele é martelado quase todos os dias por ondulações e ventos de tempestade gerados entre a região da Nova Zelândia e o meio do Oceano Pacífico.
“Só fica surfável quando o vento vira para o quadrante norte”, diz Ted. “Só tivemos essa condição de vento em dois ou três dias durante a viagem. Ondas moedoras de corpos, com 15 pés de altura eram a cena mais comum da viagem. Pela ilha inteira havia ondas e a escolha de qual pico iríamos surfar estava atrelada a qual oferecia menos risco de morte”.
Ted encontrou este lugar no Google Earth, acompanhando a direção da ondulação que é originada entre a nova Zelândia e o meio do Oceano Pacífico. A tecnologia é muito limitada no local e a capacidade de acompanhar as mudanças das condições em “real time” é quase inexistente. Talvez seja por isso que a ilha é tão intocada. É muito difícil prever o que vai acontecer em tão pouco tempo.
“Venho monitorando ondulações em todo o mundo há mais de 30 anos”, diz Ted. “Desde que os mapas de previsões entraram em cena, nós finalmente conseguimos acompanhar melhor as ondulações. Antes disso, você tinha que olhar para um gráfico sinóptico, e geralmente aplicá-lo em lugares que você já conhecia – Indonésia ou Taiti.
“Agora está muito mais fácil de acompanhar os swells em todo mundo. Acho que isso explica parte da razão pela qual há tantas pessoas buscando condições de surf em locais mais afastados e olhando além dos picos tradicionais. Há uma série de ilhas que são continuamente esmagadas por essas ondulações, então é apenas uma questão de tempo até que elas coincidam com os ventos certos. É tudo muito cíclico, mas encontrar essa combinação perfeita é um grande desafio. Os modelos de previsão tem melhorado muito atualmente e a combinação certa entre ondulações e ventos pode ser constatada com pouca antecedência, assim como fizemos nesta viagem”.
Após o término de cada viagem é inevitável que você olhe para trás e compare suas decisões preconcebidas sobre as ondas, sobre a cultura e sobre o lugar com a realidade que encontrou. Fazer uma comparação entre suas expectativas e o que realmente te esperava.
Ted touches on this…
“É engraçado. Eu estava falando sobre expectativas, mas muito raramente elas são atingidas ou superadas. Este era um daqueles casos raros. Há algo que vai além do surfe em um ambiente rico culturalmente como esse. Isso adiciona um elemento inteiramente novo a qualquer viagem. Você tem essa sensação de que é mais do que apenas uma busca por ondas. É uma sensação de expansão do que você já conhece… dos lugares por onde você já esteve”.
Ventos rajados e intensos. Penhascos íngremes e irregulares. Ondas gigantes e cambaleantes de 12 pés. Um oceano poderoso e desconhecido. Um rebanho de cavalos brancos sob a lava vulcânica endurecida logo acima. Não há sinais de outras pessoas por ali. Apenas elementos brutos constroem a paisagem.
“Tínhamos acabado de chegar ao litoral e a esposa de um surfista local preparava uma peixada sob a brasa ardente. Sentamos nas rochas e comemos peixe até o sol se pôr, às vezes sem dizer uma palavra sequer. Foi uma cena agradável e genuína. São momentos como esse que criam a magia de uma viagem de surf. A justaposição entre os elementos brutos e as pessoas que ali sobrevivem”.
As coisas realmente não são mais assim. Agora, tudo é uma experiência servida. Você paga adiantado por uma viagem de barco. Faz o check-in e suas malas são transferidas. Você é levado para o seu hotel e recebe sua bebida de boas-vindas. Você acorda e é transferido para um barco onde é alimentado por 12 dias. Desembarca em cada pico e tem um fotógrafo que tira as fotos suas sem você nem pedir. Você já sabe exatamente o que vai acontecer durante o tempo em que estiver viajando.
“Isso não aconteceu por aqui. Essa foi uma viagem de verdade. E na minha humilde opinião, é ai que mora o perigo e a recompensa. Na imprevisibilidade das coisas… É isso que eu busco. É isso que eu amo”.
Todos que já viajaram e que já surfaram em algum lugar distante sabem do que estou falando. Talvez seja por isso que uma viagem como esta, para uma ilha no meio do nada, criada a partir de uma erupção vulcânica e que é espancada diariamente por ondulações massivas, é tão importante.
É isso que mantém o The Search vivo, até nos confins da terra.