Mick Fanning e Mason Ho encontram ondas geladas e perfeitas no extremo norte do planeta.
Por Taylor Paul
Ao som do gelo rachando.
O som do fogo ecoa entre os pedaços de gelo enquanto Mick Fanning e Mason Ho — já com suas roupas de borracha e botas — aquecem suas mãos sobre as chamas. Uma nova ondulação se aproxima. As previsões são animadoras. Enquanto as ondas não chegam, eles aguardam.
Ao som do gelo derretendo.
“Precisamos que aquele grande bloco de gelo caia da geleira para que a onda de oeste possa chegar até aqui.”, diz Mason, apontando para frente. “Quero muito surfar uma dessas esquerdas”.
“Você acha que aquelas duas últimas ondulações de leste trouxeram muito gelo?”, pergunta Mick. A água perto da arrebentação parece um campo minado de cubos de gelo do tamanho de micro-ondas.
“Talvez”, disse Mason. “Mas temos que ir de qualquer jeito. Quando teremos outra oportunidade para fazer isso?”.
A 800 metros à frente deles, uma geleira com 150 metros de altura surge em uma baía calma como se fosse o “The Wall” da série Game of Thrones. Mick e Mason chegaram aqui ontem quando as ondas abaixaram. Um local que parece que não mudado nada desde a idade do gelo. E foi durante um final de tarde quando um pedaço de gelo do tamanho de um quarteirão caiu criando uma onda de dez pés de altura, que em seguida se transformou em três pequenas esquerdas perfeitas, que eles não tiveram escolha a não ser voltar no próximo dia para tentar surfá-las.
Mick joga fluído de isqueiro sobre as chamas. O fogo estrala a madeira.
Ao som da madeira estralando com o fogo…
No dia seguinte eles retornaram direto até a grande parede de gelo. Um pedaço de gelo do tamanho de uma geladeira caiu na água. E depois outro pedaço do tamanho de um Ford F-350. E depois mais outro do tamanho de um apartamento estúdio.
“Lá vamos nós!”, grita Mick enquanto um bloco do tamanho de uma casa de quatro dormitórios e três banheiros separa-se da geleira. Naquele momento, o som da colisão alcança nossos aventureiros, que já estão correndo em direção à água, ziguezagueando entre as rochas e deslizando sobre os icebergs como policiais sobre o capô dos carros em busca dos ladrões. Fotógrafos se apressam a montar os tripés e encaixar as lentes. Mick e Mason vão tropeçando até a banca de areia, tentando descobrir como chegar até as ondas. Todos ficaram malucos e começaram a gritar. Eles pulam na água e remam na direção da geleira. Pedaços de gelo flutuam sobre suas pranchas. Eles não estavam procurando uma onda que quebrasse após desmoronamento de uma geleira — os dois nem sabiam que algo assim pudesse existir — mas lá vão eles, e lá vem ela.
Esta viagem chegou no momento ideal para Mick. Após um agitadíssimo ano de 2015 que incluiu vitórias em competições, um ataque de tubarão, uma separação conjugal e a morte de seu irmão no meio da disputa pelo título mundial. Mick achou que tivesse chegado ao seu limite emocional para esta década e então optou por não competir em 2016 e apenas viajar por prazer para esclarecer as ideias. Ele tenta entender se a competição ainda é sua principal paixão ou se viagens como esta servem para compensar o saldo da sua carreira. E assim, depois de competir em Snapper e Bells — enquanto seus colegas fizeram esse vôo curto de Melbourne até Perth em busca de pontos em Margaret River — Mick foi para o extremo norte do planeta, em busca de perspectiva para os próximos anos de sua carreira.
“Estamos tentando explorar 55.000 quilômetros de costa a 12 km/h”, o Capitão Mike explicou quando embarcamos em seu barco de pesca com 20 metros de comprimento adaptado para exploração do surfe. “Não sei fazer esta conta, mas creio que levaria mais que uma vida inteira para conhecermos toda essa região”.
Uma vida inteira? Nós só temos uma semana! Vamos ver o dá para fazer. Scott — primeiro colega, fotógrafo e piloto zangão — nos leva para um tour em nossa nova casa durante essa semana. Malas e corpos nos beliches inferiores. Pranchas e cervejas nos superiores. As roupas de borracha ficam aqui. Os protetores auriculares aqui. Não caia ali dentro, você pode morrer.
Em todos os cantos: Beleza.
Em nenhum lugar: Sinal de celular, Wi-Fi, TV, e todas essas baboseiras.
A medida que o motor nos afasta da baía, Mick fica com uma expressão pensativa enquanto observa os grandiosos arredores. Montanhas emergem a 1.500 metros do mar. Milhares de leões-marinhos nadam perto do barco. As águias americanas, circulando nas térmicas ao longo das falésias, têm envergaduras maiores que o Mason Ho.
“É como passear pela galeria de arte da natureza”, diz Mick, admirando cada peça. Já Mason é menos contido ao expressar sua aprovação. “Que lugar do caral… é este???!!!”, diz ele enquanto posiciona o telefone do outro lado da cordilheira, “CHEEEEE-HOOOOO!”. Ele desliza a tela algumas vezes e segura o telefone novamente para repetir suas palavras agora filtradas com uma voz aguda de esquilo. Ele ri, e em seguida todos riem, porque o riso de Mason é tão contagioso quanto a gripe comum.
Tudo é maior por aqui — as montanhas, as praias, as árvores. As ondas parecem insurfáveis. Trata-se de uma depressão muito rasa em uma costa rochosa. Mesmo assim, tem sido uma viagem e tanto. Mick e Mason estão ansiosos para cair na água. Mike e Scott disseram que a temperatura da água estava na casa dos 4oC, mas sem um ponto de referência, quão frio é isso?
Para eles descobrirem existe somente uma maneira. Ambos vestiram as Roupas de Borracha disponíveis — Um Flashbomb 5.3mm com capuz, luvas e botas de 5mm — e saltaram do deque superior da embarcação. Como Mason é do Havaí e propenso a reações teatrais para a maioria das coisas da vida, esperamos algumas cenas hilárias após seu primeiro mergulho. Mas ao aparecer na superfície, ele pareceu aliviado.
“Nada mal mesmo”, diz. “Só estou sentindo frio no rosto”. Mick está igualmente desconcertado e eles remam em direção à costa com um único objetivo.
As ondas não estão tão pequenas. Cerca de 3 pés surfáveis. Assim que seus pés tocaram a parafina que mais parecia cera sólida, eles pensaram por um momento que poderiam muito bem estar surfando e se divertindo em D-Bah ou em Rock Point. Entre uma onda e outra, eles traçam linhas de snowboard nas montanhas, procuram águias nas árvores e se aproximam um do outro quando um curioso leão-marinho nada em sua direção e olha para eles com seus olhos pretos esbugalhados. Tudo é maior aqui — exceto eles. A presença deles neste lugar imponente é trivial. A simples escala dos arredores faz eles se sentirem pequenos, vulneráveis e muito vivos.
A vida no barco passa devagar. Comer porque a lentidão entedia. Dois cochilos por dia, pois não há muito o que fazer. Café às onze e cerveja antes das quatro da tarde. Seis km/h de lentidão enquanto o barco desvia de mais blocos de gelo. Essas são algumas de nossas observações:
- Qualquer história que o Mason quiser contar é uma história que deve ser ouvida.
- Bolachas Poptarts curam enjoo do mar.
- Quando você faz xixi no mar durante a noite, o oceano brilha com a bioluminescência.
- Os locais — Mike e Scott — são mais durões que você. Aos 60 anos de idade, Mike é geralmente o primeiro a chegar e o último a sair. No meio da viagem, Scott tomou um tombo e quebrou a perna. Ele não se desesperou. Apenas tomou um pouco de ibuprofeno e continuou filmando Mason e Mick. Nós o desembarcamos na cidade no dia seguinte. E ele passou por cirurgia naquela mesma noite.
- Aqueles pontos brancos abaixo da linha da neve são cabras.
- Aqueles pontos brancos acima da linha da neve também são cabras. Ou neve.
- Aqueles pontos brancos nas árvores são águias americanas.
- A águia americana vista à distância pode parecer ser apenas uma gaivota (“águia branca”) ou um corvo (“águia negra”).
- Quando o livro de receitas do barco inclui itens como “Urso Pardo Assado”, “Guisado de Leão-Marinho” e “Churrasco de Baleia” você não pergunta o que vão servir no jantar, você apenas come.
- Quando as condições permitem surfar, você surfa, porque as condições estão prestes a mudar.
Trecho da conversa enquanto se vestiam para a melhor sessão de surf da viagem
Mick: Olha aquilo! Olha aquela seção!
Mason: Bro’, mas não chega nem perto daquela que vi mais cedo.
Mick: Sério?
Mason: Juro que vi uma que tinha uns dois metros e meio, com um tubo de dez segundos! Era ampla, como Backdoor.
Mick: Então vamos lá.
Mason: Bro’, o que eu faço? Pego a prancha 6´.3´´?
Mick [parafinando a prancha]: Isso é o mesmo que passar cubos de gelo na minha prancha, não é? [pula na água]
Mason [falando sozinho]: Eu preciso da prancha de 6´.3´´?
Mike [saindo da casa de máquinas]: Você vai ficar aí só falando nisso, Mason, ou vai surfar?
Mason: Oh, cara, eu sabia que te amava. Você me lembra o meu pai.
Ao chegar remando perto da ponta do cliff rochoso com sua 6´.3´´ Mason percebe que tinha maior controle da situação quando estava no barco. A maré está alta e o intervalo entre as ondas é curto. As ondas estão quebrando perigosamente perto das rochas. Ele vê uma cabra na beira do penhasco. (“Caral…, como ela conseguiu chegar lá em cima?”) Ele espera. Uma águia circula sobre ele. Ele espera. Após uns 20 minutos, sua onda aparece. Ele está muito atrás, mas abaixa a cabeça, passa a seção e rasga assim mesmo. Mason continua na onda. Com muita calma ele coloca para dentro de um tubo quadrado que quebrou a menos de 10 metros das pedras. A onda fecha. E é atingido, mas emerge à superfície ileso.
Surfar não é a minha prioridade principal aqui… Minha prioridade principal aqui é explorar uma terra que pouco sei a respeito
“Bro’”, ele diz com os olhos arregalados enquanto rema de volta. “Se você tivesse visto o que vi naquele tubo! As pedras iam aparecendo enquanto eu estava lá dentro! Juro que me senti em Backdoor”.
Depois de mais algumas tentativas e de perder uma quilha ao passar por cima de uma pedra que simplesmente “apareceu do nada”, ele decide se juntar ao Mick, que está surfando com Mike numa seção mais no meio da praia. A medida que Mason se aproxima dos outros, Mick pega uma boa onda e manda além de um bom aéreo uma série de rasgadas jogando muita água para trás. As ondas que Mick pega mostram a todos que seu surfe nunca esteve tão afiado. Sim, ele continua mandando aquelas rasgadas que cortam a onda no meio e que marcaram sua carreira, mas também há um inegável desprendimento na sua abordagem durante essa viagem. Alley-oops brincalhões, aéreos bem grandes e sorrisos maiores ainda. E como não há juízes, ele está detonando ondas que valeriam 8 ou 9 pontos em qualquer evento do Circuito Mundial.
“Surfar não é a minha prioridade principal aqui”, Mick vai dizer isso mais tarde, usando um chapéu “Mad Bomber” que o faz parecer mais como um caçador de castores do que com um surfista. “Minha prioridade principal aqui é explorar uma terra que pouco sei a respeito”.
Ao som de Crack… Crack… BOOOOOM !!!
A onda glacial se aproxima a um ritmo nada gracioso, em meio ao caos do gelo desabando da geleira. Mick e Mason escolhem suas ondas fazendo “uni duni tê”. Eles não têm a menor idéia de qual será boa. Eles nunca surfaram aqui antes. Ninguém nunca surfou, então eles têm que adivinhar.
Sentados muito longe da onda, na bancada de areia, eles assistem impotentes enquanto uma esquerda na altura do peito dobra perfeitamente no canto da geleira.
“Não, nãooo, nãooooo!”. Mason grita enquanto rema disparado em direção à onda. Mick admite a derrota e observa de boca aberta. Apesar de ter perdido a maior e melhor onda, Mason consegue surfar a última onda da “série”. Ele ainda consegue dar uma rápida acelerada e um pequeno aéreo antes da onda desaparecer.
“Foi a onda de 30cm mais legal que já peguei na minha vida”, diz, simultaneamente extasiado e insatisfeito. Ele sabe como essa onda pode ser boa. E para um cara que ama novidades em termos de ondas, este é o Santo Graal do surf. “Temos que nos preparar para a próxima”.
Ao som de Crack… Crack… BOOOOOM !!!
A próxima onda chega. Uma onda gerada por mais um gigantesco bloco de gelo que cai da geleira. Mick sai remando em busca da direita, mas o gelo está muito denso para alcançá-la. Mason rema por fora e fica em cima de um pequeno iceberg. Quando a onda passa, ele se joga por trás dela, pousando sobre um pedaço de gelo e arrebentando sua quilha central. “Na próxima eu acerto”, diz ele.
Ao som de Crack… Crack…
Existem alarmes falsos. Rompimentos enormes ocorrem e eles correm para a praia para encontrar uma onda que não está lá, porque o bloco não caiu diretamente na água ou uma pequena península simplesmente bloqueou a onda. Tem aquela incerteza viciante que existe no surfe, mas aqui eles estão aprendendo tudo em tempo real, cercados por geleiras e icebergs, dando gargalhadas sobre o absurdo que tudo aquilo representa. Do outro lado do mundo, o Drug Aware Margaret River Pro acabou de ser adiado mais um dia.
Ao som de Crack… Crack…Crack…
Um onda de longo período foi criada a partir de um bloco que desabou a alguns quilômetros de distância e ofereceu a eles a última oportunidade de surfar na onda glacial. Mick não tem mais esperanças de pegar uma onda com sua pranchinha e rema sobre o gelo com um SUP sem quilhas. Mason, mais uma vez, escala um iceberg. Quando a primeira onda chega, ela passa perfeitamente ao seu lado e Mason finalmente pega sua onda glacial. Ele desliza até a praia sobre uma pilha de gelo e sorrisos. “A emoção voltou!”, diz, virando-se a tempo para ver Mick pegar a próxima onda e surfá-la até a praia também. Mason estava lá para cumprimentá-lo com um abraço comemorativo.
“É isso aí”, diz Mick, eufórico, mas esgotado. “Conseguimos. Acabamos!”
A última onda movimentou os blocos de gelo ao redor e trouxe ainda mais gelo para a área. Eles acabaram e remaram de volta para o barco golpeados pelas incontáveis colisões com o gelo. Ainda assim, Mason quer mais. “Sinto que esta é a nova fronteira da exploração no surf”, ele afirma. “Esta foi só uma pequena amostra. Quero voltar e surfar novamente na geleira”.
Enquanto levantam a âncora e começam a voltar à civilização, Mick observa a geleira desaparecer no meio das montanhas. Daqui a mil anos, a última peça de gelo visível à distância vai cair nesta água e formar uma onda e ele e Mason não estarão mais aqui.
[Posfácio]
Na noite anterior à sua partida, eles beberam uísque em um bar chamado The Pit. É o tipo de lugar que abre às seis da manhã, permite fumar e vende camisetas que dizem “Fiquei muito doido no The Pit Bar”. Um pouco do ambiente local para celebrar uma viagem daquelas que só acontecem uma vez na vida.
“Isto foi muito bom para mim”, diz Mick, refletindo da forma que refletimos após alguns drinques com antigos e novos amigos. “Estar tão envolvido em meio a natureza e não ter horários fixos, sinal de celular nem internet. Era disso que eu precisava — me desconectar e desaparecer”.
Embora eles agora estivessem tecnicamente de volta à civilização, Mick continuava invisível.
“Então, o que você faz?”, pergunta Brendan, um amável lixeiro sentado ao lado de Mick no bar.
“Eu surfo”, responde Mick.
“Beleza, mas qual é o seu trabalho?”, ele pressiona. “Por que alguém pagaria você para surfar?”.
Mick ri. “Camarada, venho me fazendo essa pergunta há 20 anos”.