Em 1972, um grupo de aventureiros americanos organizou duas expedições simultâneas até uma remota bancada cravada dentro de uma densa selva repleta de vida selvagem, em algum lugar na Terra do Nunca.
O primeiro grupo com três surfistas carregou todos os suprimentos e pranchas em um velho barco à vela. Enquanto isso, o outro grupo com cinco surfistas utilizou o transporte terrestre que chegou rapidamente a uma aldeia de pescadores. Eles acharam que tinham chegado primeiro, mas perceberam que estavam enganados após terem que arrastar seus equipamentos por mais de 20 quilômetros ao longo da praia até o local combinado com o outro grupo.
O grupo que velejou chegou até uma baía desconhecida onde montaram o acampamento pelos próximos 10 dias. O suprimento de água potável era reduzido, portanto eles teriam que coletar a água da chuva que escorreria pelas velas da embarcação ou morreriam de sede antes da viagem terminar. Eles estavam desesperados, mas estavam à frente do outro grupo que preferiu vir por terra.
Enquanto o swell aumentava durante a primeira noite e o barulho das ondas quebrava sobre a bancada de coral abafando o rugido dos tigres, eles sabiam que haveriam ondas incríveis ao amanhecer. E foi o que aconteceu… Eles pegaram altas ondas no dia seguinte…
O grupo de surfistas que veio caminhando pela praia chegou no dia seguinte e se surpreenderam com a descoberta, porém nunca poderiam dizer que foram “os primeiros a surfar naquele pico”. Eles foram vencidos… ou não?
Fotos: Nate Lawrence, Corey Wilson
Legendas: Chris Binns
Vídeo: Nick Pollet and Bali Strickland
Previsor: SwellNet
Um ponto interessante, importante ou não, sobre ser o primeiro a surfar um pico desconhecido é: Faz diferença ou não ser o primeiro a surfar um lugar inexplorado com altas ondas? Este seria o caso de Matt Wilkinson e Gabriel Medina no breve período de folga que eles tiveram entre as etapas do circuito mundial de J-Bay e Teahupoo. O número um e três do mundo decidiram sentir um pouco de adrenalina e surfar um pico desconhecido com água quente. Dessa forma eles voaram da África direto para a Ásia em busca de aventura.
No meio do caminho uma pausa para pegar o amigo local Garut Widiarta, para integrar o trio no melhor estilo The Search antes de embarcarem rumo ao sonho de qualquer goofy footer. Assim como fizeram aqueles primeiros surfistas em 1972, que partiram sem nenhum plano a não ser pegar tubos profundos, surfar o dia todo e descontrair à noite com muitas risadas, eles não olharam para trás e seguiram seus instintos.
“Eu adorava assistir os vídeos do The Search,” disse Wilko, logo que chegamos. “Eu também!” Gabriel entra na conversa, todo animado. “Costumava assistir todos os filmes. Me lembro quando assinei meu primeiro contrato com a Rip Curl e pensei se poderia estar nessas viagens para lugares desconhecidos, no meio do nada, para encontrar ondas perfeitas com meus amigos e agora estamos aqui! Isso é irado!” Com toda essa energia positiva, o que poderia dar errado?
O primeiro dia amanheceu gigante, com muita correnteza e quase ninguém lá fora. Talvez o crowd estivesse pegando a água que escorria das velas dos barcos encalhados na areia da praia, mas quem poderia culpá-los? Essa onda é insana, poderosa e é preciso estar confiante para enfrentá-la.
O swell estava sólido, mas de acordo com nosso vidente das previsões, o local Nick Chong, “Quando as condições se acertarem teremos condições épicas por aqui”. Passe um tempo com Gabriel e você logo perceberá que não há ninguém no planeta com maior apetite por ondas, sendo que sua fome precisa ser saciada o dia todo. Antes mesmo do nosso barco chegar ao outside, Gabriel já tinha sumido, pois remou quilômetros para fora da bancada, onde ninguém conseguia vê-lo. Ele só reapareceu quando saiu de um tubo na baforada e logo depois, já perto do barco, mandou um aéreo gigante bem na frente do nosso fotógrafo. Essa é uma rotina que você verá repetidas vezes quando estiver surfando ao lado dessa estrela mundial de 22 anos que veio de Maresias, litoral de São Paulo.
“Meu tio era bom, tinha o terceiro melhor tempo no nado livre na América do Sul. Eu tenho braços longos e é algo que eu realmente gosto de fazer. Meu pai disse que eu costumava ser bom na natação. Eu gostava desse tipo de treinamento quando era mais jovem e acho que é por isso que tenho uma remada forte agora”
Gabriel tem um físico perfeito para o surfista moderno, fazendo sombra com seus 1,80m de altura e mais de 75kg. Ele possui um tronco forte e ombros largos que o impulsionam como um cyborg do surfe. Ele tem um físico de nadador profissional. Será que ele treinou natação quando era mais novo? “Sim, eu costumava nadar um pouco,” Gabriel solta um sorriso largo. “Meu tio era bom, tinha o terceiro melhor tempo no nado livre na América do Sul. Eu tenho braços longos e é algo que eu realmente gosto de fazer. Meu pai disse que eu costumava ser bom na natação. Eu gostava desse tipo de treinamento quando era mais jovem e acho que é por isso que tenho uma remada forte agora”.
Esse é o tipo de conversa que você espera ter com o Gabriel, que é uma pessoa tímida e raramente expõe fatos da sua infância. Enquanto aguardamos o barco sair da praia numa manhã cinzenta, Gabriel e Wilko transformam a areia em uma academia. Ambos estão fazendo flexões e abdominais e, de repente, não estamos mais na selva e sim numa disputa homem a homem pelo título mundial de fitness. O cinegrafista Bali Strickland fica maravilhado com um dos alongamentos do Wilko, e Wilko explica todos os detalhes do seu treinamento; que músculos são ativados, qual a principal finalidade de cada posição. Ele realmente está mais interessado do que nunca em fazer um trabalho forte fora d´água. Uma mudança radical em seu estilo de vida e que levou o garoto de Copacabana a conquistar seu lugar no topo do circuito mundial nesse ano.
Garut está entusiasmado com essa viagem. O campeão do Rip Curl Cup Padang Padang 2014 conquistou seu lugar ao sol junto aos principais goofy footers do planeta. De estatura franzina, mas simplesmente perfeita para seu tipo de surf, Garut manda manobras potentes nas maiores da série e desafia os tubos mais poderosos da Indonésia como se estivesse brincando no quintal de casa… E ele está. Garut vive uma vida encantada em Bali, a Ilha dos Deuses. Quando não está remando nas melhores da série em Uluwatu ele está lá atrás, à espera da rainha da Bukit, dominando o crowd em sua onda preferida, Padang Padang. Ao lado de seus primos Made “Bol” Adi Putra e Raditya Rondi eles dominam o circuito profissional de surf na Indonésia, continuando o legado do patriarca da família, o pioneiro balinês no surfe Wayan Ganti Yasa. Quando a Rip Curl o chama, Garut fica muito feliz em participar do programa The Search e assim explorar as joias raras do seu amado arquipélago. No ano passado Garut esteve numa viagem de barco com Mick Fanning durante o maior swell do ano. Este ano ele está em busca de uma misteriosa esquerda com Wilko e Gabriel. Uma vida encantada de fato!
Wilko e Gabriel se posicionam de forma bem diferente no outside. Gabriel nunca para de se movimentar, e raramente senta na prancha. Seu alcance é enorme, qualquer onda que apareça numa distância equivalente a um campo de futebol está ao seu alcance, tamanha sua força de remada e habilidade de saber exatamente onde se posicionar. Num instante ele desaparece remando rumo ao horizonte e retorna minutos depois surfando uma onda que emenda duas sessões inteiras na bancada.
Quando ele decola no ar Gabriel vira a principal atração dentro d´água! Não há muitas cavadas profundas no seu repertório. Em vez disso, ele aproveita a força da sua remada e suas pranchas com mais de 30 litros de flutuação para acelerar no topo de uma onda da série, com dez pés de altura, e atingir finalmente uma velocidade irreal. Então, nesse momento, que ele mira a uns dez metros a sua frente para acertar o lip com uma força inacreditável e voar cerca de três metros acima da onda. Você não acredita que alguém poderia voltar de uma manobra dessas até ver ele saindo no canal, com um sorriso enorme no rosto e começar a remar com toda sua força novamente para o outside.
Wilko, por sua vez, rema devagar e conversa com todos durante a volta para o outside. Ele conta piadas para aqueles que voltam com ele até a zona de arrebentação e zoa quando os caras caem da prancha. Ele adora um layback mais do que ninguém, e se durante a sessão não aparecer nenhum tubo, você pode apostar seu último centavo que em algum momento Matt irá mandar sua manobra assinada, “o layback spray com cabeleira voadora”. Seu humor varia dependendo de como ele está surfando ou de como sua prancha está funcionando, sendo que aquela prancha mágica DHD vermelha que ela usou gloriosamente na vitória em Snapper Rocks encontra-se a milhares de quilômetros de distância, completamente fora do seu alcance.
“As vezes não quero mais usar outra prancha nas competições. Eu só penso naquela vermelhinha,” comenta Wilko sobre sua prancha mágica. No entanto ele está especialmente empolgado com uma das suas novas pranchas, uma 6´0´´ canaletada que ele vem carregando ao redor do mundo durante o ano todo. De Bells a Margaret River, e em Fiji duas vezes, ela acumulou milhas aéreas e nunca tinha sido usada, antes de finalmente ser parafinada pela primeira nessa viagem. Duas ondas e dois tubos depois ela se partiu, juntamente com o coração de Matt. “Ela parecia tão boa,” ele sussurra, verificando o prejuízo e colocando-a na sua capa de pranchas.
Os momentos inesquecíveis entre Gabriel e Wilko são infinitos. Os dois já são parceiros de viagem há muito tempo. Na verdade, você não tem muita escolha quando divide os mesmos patrocinadores. Hoje em dia eles não veem a hora de se encontrarem fora do Tour. “Gabriel durmiu na minha casa em Byron durante a etapa de Snapper Rocks para conhecer o local onde moro e curtiu bastante”, disse Wilko, “Eu já eu estive na casa dele em Maresias também. É um lugar irado”. De todas as amizades no circuito mundial entre brasileiros e australianos, a entre Gabriel e Wilko é de longe a mais forte. “Ele é uma lenda, nos damos muito bem, e somos bons amigos”, disse Wilko.
Após uma semana surfando na selva e com a missão totalmente cumprida, nos encontramos novamente com as luzes radiantes e com a agitação de Bali. Após passarmos alguns dias sem comer carne, queríamos comer um churrasco, e assim nos dirigimos a uma churrascaria Sul-Americana em Kuta. Gabriel está no céu, ele adora carne, e pediu um filé de 450g com um grande sorriso no rosto, enquanto Wilko se satisfazia com uma costela assada. Com os dois bem alimentados, parecia ser o momento perfeito para fazer algumas perguntas sobre a corrida ao título mundial.
“Um de vocês vai para ganhar este ano?” Perguntei.
“Sim”, diz Gabriel categoricamente.
“Espero que sim,” diz Wilko.
“Sim, um de nós,” ri Gabriel.
“Talvez vocês poderiam trabalhar em equipe?” Os dois olham para mim como se eu fosse um idiota.
Um silêncio constrangedor. Mais tarde, sentados na mesa com nossos pratos repletos de ossos de costelas e cordeiro, não havia mais nada a ser dito. Era claro que eles tinham uma rivalidade pela corrida ao título mundial. Que vença o melhor!
Cada bateria até o final do ano será uma batalha à parte. O prodígio Brasileiro voltará para casa com seu segundo título mundial, ou o Australiano cabeludo continuará surfando como nunca na vida? Esses dois amigos, de lados opostos do planeta, estarão competindo por cada ponto até a etapa decisiva em Pipeline. Assim como os exploradores em 1972 competiram para ver quem chegaria primeiro até a desconhecida bancada com ondas perfeitas, os dois vão traçar sua própria batalha nesse ano para ver quem chegará primeiro ao tão cobiçado título mundial !