Inesperada. Distante. Isolada. Desconhecida. Há um milhão de maneiras diferentes de descrever esta viagem, mas talvez a mais adequada seja dizer que ela foi totalmente diferente de qualquer outra expedição que nossa equipe feminina já tenha participado. Essa é a natureza de uma viagem do projeto The Search. Você nunca sabe o que vai encontrar.
Tudo começou em Huntington Beach, na Califórnia, onde parte da nossa equipe feminina formada pelas lindas atletas Alana Blanchard, Tyler Wright e Nikki Van Dijk tinham acabado de passar duas semanas em meio ao caos do US Open, um dos campeonatos mais badalos do mundo. No dia seguinte ao término da competição, o único plano delas era seguir para o aeroporto e decolar rumo a uma viagem do Projeto The Search.
A questão é que elas não sabiam para onde estavam indo e dessa forma, não tinham nenhuma expectativa do que iriam encontrar. Tudo o que elas sabiam era que precisariam estar no aeroporto internacional de Los Angeles com as malas feitas e prontas para partir.
Elas acordaram às 3h30 da madrugada, quando os alarmes de seus telefones dispararam. Pranchas e mochilas foram jogadas para dentro do carro e Alana, Tyler e Nikki partiram rumo ao aeroporto. Sem expectativas e apenas com os vouchers que seriam trocados por passagens aéreas em mãos. A única informação que tinham era que a viagem duraria cerca de 72 horas até o destino final.
“É sério… a gente realmente não fazia ideia que viríamos para esse lugar até um dia antes da viagem”, disse Nikki. “Estávamos nos EUA pensando, “Ok, será que a gente deve encarar isso mesmo”? Mesmo enquanto dirigíamos até o aeroporto não sabíamos para onde estávamos indo. Tudo que eu sabia era que estaria ao lado da Tyler e da Alana e que eu iria acompanhá-las nessa trip… era rezar e esperar pelo melhor”.
Você não sabe o que vai encontrar. Você apenas deixa as coisas acontecerem. Foi muito emocionante estar em mais uma viagem do Projeto The Search – Alana Blanchard
Em seguida embarcamos… foram três aviões, dois carros, um ônibus, um barco, uma noite na Austrália e outra em Kuta, na Indonésia. Quando chegamos ao destino final, já passava da meia-noite. Na verdade não tínhamos muita noção das horas. Após três dias em trânsito, você não consegue pensar direito. Seu corpo está cansado e o sono te domina. Seus pensamentos não são coerentes.
É engraçado pois a maioria das pessoas pensam em viagens longas como uma coisa desgastante, ou um mal necessário. Mas para este destino, isso não era apenas uma questão de logística, era parte da viagem propriamente dita. Isso impediu que fizéssemos qualquer tipo de plano. Tudo era desconhecido.
“É muito emocionante entrar em um avião e não saber para onde você está indo”, diz Alana. Estamos sentadas em um sofá de um restaurante em uma das últimas noites da viagem. Ela está comendo uma salada vegana e vestindo uma camiseta do ACDC. Estou bebendo uma Bintang levemente quente ao lado dela, e o resto da equipe dispersou-se pelas outras mesas.
“Você não sabe o que esperar numa viagem dessas”, ela continua enquanto mergulha uma cenoura no molho de amendoim e depois dá uma mordida. “Oh, meu Deus, isso é tão bom! “Então… você não faz ideia. Você não sabe o que vai encontrar. Você apenas deixa as coisas acontecerem. Foi muito emocionante estar em mais uma viagem do Projeto The Search”.
Escolhemos esse destino por causa de uma boa previsão nos mapas de ondulação. Previsão que fez a gente sonhar com uma esquerda dos sonhos, da qual tínhamos somente ouvido falar. Nos primeiros dias, mantivemos a esperança. Todos os dias conferíamos as condições das ondas. Tentávamos enxergar a onda no final da bancada de coral esperando ver uma série tubular quebrando. Mas o tempo passava e nada daquela esquerda mágica aparecer. Então pegamos a estrada de volta e saímos em busca de outra onda, em outra bancada… Outro lugar para cair na água.
Na maioria das viagens isto poderia causar uma certa angústia. Surfistas com grandes expectativas ficariam de saco cheio.
Haveria um monte de pensamentos do tipo, “Por que tivemos o trabalho de vir? ” Mas não pensávamos assim. A gente apenas entrava no carro novamente para seguir até outro local, outra praia secreta, e estava tudo bem. Passamos por um morro e fomos contemplados por outro pico, só que dessa vez um beach break. Nada de especial mais uma vez. Só de explorar a região dando boas risadas já era suficiente para nós. Nenhum dia passou em branco sem que a gente tivesse aproveitado. O visual desse lugar é incrível!
“Sabe”, disse Nikki, “tem sido uma viagem divertida em busca das ondas. Não tivemos muita sorte até agora, porque a esquerda incrível que viemos pegar, não apareceu.
Viajar em busca de ondas perfeitas, vento terral e pouco crowd é o sonho da maioria dos surfistas, mas sinceramente é um pensamento bem restrito. Há tanta coisa envolvida na busca que você pode aproveitar além do surf. O excesso de expectativa pode estragar toda a experiência de uma surf trip.
“Se você faz uma viagem focado em conseguir surfar uma onda, uma condição específica e canaliza suas expectativas somente em cima disso, sua chance de voltar frustrada é enorme. Mas em uma viagem como essa não… Nós chegamos aqui e fizemos o que queríamos. Exploramos o lugar, conhecemos uma cultura completamente diferente. Estávamos focadas em nossa própria busca, e não numa única expectativa. Aliás, não tínhamos expectativa nenhuma quando saímos de Los Angeles… Nós nem sabíamos para onde estávamos indo! E o negócio é o seguinte… você nunca sabe exatamente o que vai encontrar. Acho que esta é a melhor parte de tudo isso”.
Com o passar dos dias, a viagem se transformou. Nos divertíamos com a companhia uma da outra. Brincávamos com qualquer coisa, com qualquer um que cruzasse nosso caminho. Surfamos as ondas que haviam por ali. Dormimos quando queríamos, saboreando o isolamento e relaxando.
Batizamos nossos sucos frescos com vodca e ficamos acordadas até tarde da noite assistindo a vídeos de surfe na recepção do hotel. Ficamos curtindo na recepção durante horas, pegando os bits e bytes de Internet que pareciam que iam e vinham na velocidade de uma tartaruga com sono. Praticamente ficamos barradas na recepção daquele hotel buscando o que fazer durante a noite. Conhecemos cachoeiras, desatolamos algumas vezes nosso carro da lama, escalamos morros e procuramos encostas para saltar. Deitamos na praia, tomamos sol e brincamos em qualquer condição de surf que aparecia. Entrávamos no mar, pegávamos uma onda e saíamos. Um pouco de sol na praia, outra onda… bebíamos água de côco… Apostávamos corrida na praia, outra onda… depois dormíamos um pouco.
Esta viagem não teve nada a ver com a busca pela perfeição (embora tivéssemos encontrado muitas coisas perfeitas no meio do caminho). Não tinha a ver com acertar em cheio. Não tinha a ver com competição ou preparação. Tinha a ver com dar um tempo em nossas rotinas e curtir o máximo possível.
Esta é a Tyler, que teve os 12 melhores meses de sua vida, tanto pessoalmente quanto profissionalmente. A Alana está aprendendo a estabelecer uma vida sem competições no circuito mundial. A Nikki está pela primeira vez encontrando seu ritmo no World Tour, sem lesões. Três momentos de vida bem diferentes. Três perspectivas de como ver as coisas. E todas elas trocando experiências entre si.
Está claro que Tyler amadureceu muito desde 2015. Mesmo antes do acidente do Owen e dela querer seu primeiro Título Mundial. Alana e Nikki inspiravam-se nela para tomar algumas decisões e para falar as coisas sem rodeios.Quando chegava a hora de surfar, Alana brilhava. Onda após onda ela se jogava e dava seu melhor, mandando cutbacks e cavadas com uma força que você jamais imaginaria que ela tivesse naquelas perninhas miudinhas alimentadas com vegetais. Ela mudava dentro d´água. Em um dia, depois de ter sido rabeada mais de uma vez por um surfista que elas tinham visto durante alguns dias surfando no mesmo local, Alana gritou tão alto atrás dele que o cara simplesmente ficou sem reação e foi embora.
Se houvesse um jeito de dar um puxão de orelha em alguém com classe, Alana tinha descoberto esse jeito.
Eu nunca tinha visto ela surfar tão bem quanto nesta viagem. E essa é a prova de que ela finalmente estabeleceu um estilo de vida não competitivo e aceitou que sua carreira como surfista profissional precisava tomar um novo rumo fora das competições.
Nikki, a mais nova do grupo, claramente via Tyler e Alana como grandes exemplos de mulheres bem sucedidas. Mas ela não queria ficar para trás durante as sessões de surf. Dava para ver aquele instinto competitivo no rosto dela quando Tyler passava remando ao lado, ou pegava a maior onda da série. “Ver a Alana e a Tyler quebrando as ondas me fez pensar “Caramba, vamos Nikki, reme mais rápido! Surfe mais forte”! Surfar ao lado dessas garotas realmente exige mais de você. É incrível aprender com elas. “Quando a Tyler mandava uma manobra irada bem na minha frente ou a Alana passava acelerando com uma velocidade incrível por mim, não tenho como explicar minha felicidade em estar ali, aprendendo com elas. Nós não temos muitos momentos como estes, mas quando temos, é incrível”.
Tyler não pensou duas vezes quando respondeu minha pergunta: Qual foi sua parte favorita da viagem? “Foi curtir com as garotas”, ela respondeu. “Não fomos pressionadas por ninguém. Foi demais se desconectar de qualquer pressão do circuito mundial e pensar apenas qual seria o próximo lugar onde encontraríamos uma encosta para saltar ou qual seria a próxima cachoeira que iríamos visitar. Foi demais poder relaxar e ainda surfar algumas ondinhas divertidas. O surf ficou em segundo plano durante essa viagem, mas eu não estava nem ai para isso!“
Veja a Cachoeira que encontramos. Essa cachoeira foi uma das melhores experiências da viagem para mim. Nós a encontramos quase que sem querer, mas ao mesmo tempo, foi perfeito.
Estávamos andando pela trilha e só ouvindo o barulho da água caindo. Não dava para ver se era só uma quedinha d´água ou uma cachoeira de verdade. De repente a gente chegou lá e viu aquela cachoeira linda, intocada. Isso realmente tira você daquele mundo onde tudo é rápido, superficial e previsível
“Ao sentar ali debaixo da queda d´água, com a cabeça completamente tranquila, você se abre a esse grande mundo que existe em volta de você. Ao mesmo tempo, você percebe que as melhores coisas da vida são mesmo as mais simples. Você está sentada ali numa pedra, com a água das montanhas correndo sobre você. É demais. É relaxante. É um mundo tranquilo. Realmente não é preciso pensar em mais nada além daquele momento, e naquele momento você realmente consegue não pensar em nada”.
Talvez, numa viagem como esta, esse seja o significado do The Search. Encontrar sua própria busca interior. Sem esperar nada. Dar um tempo do mundo que você conhece já é o suficiente.
Perguntei para a Alana se ela achou que a viagem valeu a pena, ainda que a ondulação com a qual contávamos nunca tivesse aparecido. Tenha em mente que quando perguntei isso, ela estava prestes a encarar outra viagem de três dias de volta para casa. “Viajar para um lugar como este? Vale a pena com certeza! Definitivamente. Você não consegue encontrar lugares como este perto da sociedade. Hoje em dia, é preciso viajar muito se quiser ir a lugares que ainda não foram vistos, lugares intocados. É preciso ir um pouco mais além, e se topar fazer isso, vai valer muito a pena. Você vai vivenciar coisas que não vivenciaria em nenhum outro lugar. É natural, é lindo”.
Não sabíamos o que ia acontecer quando aceitamos fazer esta viagem. E no caminho de volta para casa, quando tivemos um atraso de oito horas e quase perdemos nossos voos, correndo de aeroporto em aeroporto, nós ainda não sabíamos.
Nunca encontramos o que havia sido originalmente planejado para aquela viagem. Nunca chegamos a ver aquela esquerda dos sonhos quebrando. Mas encontramos algo completamente diferente.
Essa é a natureza e a beleza do The Search – você nunca sabe o que vai encontrar. E é isso que faz você querer mais e mais, a todo momento, pois o The Search nunca termina.