Se eu te dissesse que existe uma direita com fundo de areia ainda desconhecida que oferece múltiplos tubos na mesma onda com mais de 10 segundos de duração… Uma onda super longa com cinco quilômetros de comprimento, quebrando a 20 metros da praia, que recebe ondulações perfeitas de seis pés com vento terral na maior parte do dia e que só foi surfada por quatro pessoas em todo o planeta. Você acreditaria em mim?
E se o tricampeão mundial Mick Fanning fosse um desses quatro surfistas e ele te dissesse que esta onda quebra de forma tão espetacular e simétrica ao longo de uma faixa de areia que parece não ter fim. Uma onda onde você pode acelerar sua prancha como um piloto de F1 acelera seu carro. Você acreditaria nele?
“Meu amigo me mostrou o clipe da onda gravado em um celular e foi então que percebi como ela era insana”, disse Mick a respeito do primeiro contato visual com essa nova descoberta. “Ele dizia ‘Pssst Mick, olha isso aqui… Nós descobrimos essa onda e quero muito que você surfe lá conosco, mas não podemos deixar a informação da localização vazar’. Eles definitivamente queriam continuar surfando lá sozinho. Demorou um pouco para convencer o outro amigo, mas eles acabaram confiando em nós. Depois disso, não levou mais que um segundo para ele dizer ‘vamos’. Uma última mensagem de texto e estava tudo combinado”!
“…Foi o plano perfeito para essa fase da minha vida, porque estou tentando encontrar lugares que nunca sonhei que pudesse estar e fugir um pouco de todos os compromissos que tenho durante o circuito mundial” – MF
Foi assim que demos início a uma verdadeira corrida maluca. Mentimos para todos que conhecíamos sobre nosso destino, dizendo aos nossos parentes e amigos mais próximos que estávamos indo para um lugar. Qualquer lugar diferente daquele para onde realmente estávamos indo.
“Eu cancelei várias reuniões”, disse Mick. “Muita gente estava me procurando. Mesmo assim, eu não teria feito nada diferente. Foi o plano perfeito para essa fase da minha vida, porque estou tentando encontrar lugares que nunca sonhei que pudesse estar e fugir um pouco de todos os compromissos que tenho durante o circuito mundial”.
A expectativa era muito, muito alta. Me fazia lembrar dos meus primeiros dias em Bali quando o Tubes Bar e o Sari Club eram os lugares onde os surfistas se encontravam depois de voltarem das sessões de surf em bancadas de coral remotas para relaxar e contar suas histórias em buscas de ondas nunca antes surfadas ao redor da Indonésia. Naquela época, a menos que realmente confiasse em alguém, você nunca dizia onde havia realmente surfado, então sempre tentávamos desviar o assunto para manter um pouco daquela perfeição para nós mesmos. Não tenho certeza de como isso foi se perdendo na cultura do surfe, mas acho que ainda deve ser incentivada.
Uma estratégia semelhante era aplicada aqui e nosso amigo nos passava somente as informações mais necessárias. Quando Mick e eu nos encontramos no local do nosso primeiro voo, ainda estávamos especulando sobre o paradeiro dessa onda. De fato, tudo que sabíamos é que nossa primeira parada seria num vilarejo qualquer, um ponto comercial para comprar suprimentos antes de continuarmos seguindo aqueles homens sem rosto em direção ao desconhecido dali em diante.
“Foi demais descobrir uma onda que ninguém mais conhecia. Eu amava aquela sensação” said Mick.
Estávamos certos. Mesmo nunca tendo ficado realmente com os olhos vendados, nos sentíamos à deriva.
“Foi demais descobrir uma onda que ninguém mais conhecia. Eu amava aquela sensação”, disse Mick. “Falei para meu amigo: Não me diga onde é senão vou tentar encontrar esse lugar no mapa e eu não quero fazer isso. Quando finalmente descobrimos onde era, eu só conseguia olhar no mapa e dizer “Peraí, não tem onda ali! Tem”?
Por mais clandestina que seja nossa missão, essa onda – tal como uma serpente cuspidora de veneno – tinha mesmo um nome bastante apropriado.
A Serpente.
A Serpente não quebra na praia. Ela quebra um pouco distante em intermináveis linhas paralelas a areia com seu lip que encavala e gira sem parar numa velocidade impressionante, e assim vai até sumir de vista. Na zona de arrebentação, enquanto você aguarda pela série, você não olha para o horizonte. Em vez disso, você olha para trás e fica procurando a linha de espuma criada pela onda anterior pois quando a série entra você não consegue enxergar o começo da bancada já que o point tem quase cinco quilômetros de distância entre o início e o fim da onda.
“Surfar sozinho foi difícil porque não havia referência de nenhum surfista em cima das ondas”, disse Mick. “Geralmente, há uns 1000 caras em Snapper e você consegue observar a série se aproximando e a linha que cada surfista faz na onda. Eu perdi algumas ondas remando e não conseguindo achar o local certo para entrar, por isso acabei me sentindo como um novato tendo que aprender o local certo do drop”.
A Serpente quebra perto da areia e cada onda que passa joga uma grande quantidade de água que invade a praia, mas que é rapidamente sugada de volta. Isso gera uma onda volumosa e forte pois a energia cinética condensada lateralmente à costa volta para a onda de trás e girando novamente com o lip que arremessa a água para a bancada de areia, formando um ciclo que deixa todas as ondas perfeitamente sincronizadas.
Varar a arrebentação é fácil, mas ficar esperar a onda certa é outra história. Ao amanhecer, Mick pirou com o cenário que ele contemplava ao ver linhas de 10 ondas girando em sua direção e passando por ele até onde os olhos conseguiam enxergar. Suas habilidades foram colocadas à prova. O surfista mais rápido do mundo não conseguiu completar suas três primeiras ondas. “Eu estava pirando no começo”, disse Mick. “Estava acelerando dentro dos tubos, colocando o máximo de velocidade que podia, mas não foi o suficiente para acertar nenhuma das minhas três primeiras ondas. Só depois da quarta onda eu consegui entrar no ritmo. Cai algumas vezes ao passar por cima da bola de espuma; outras vezes quando eu achava que ia perder sustentação, a baforada me empurrava como uma bala até eu engatar a quinta marcha para poder acompanhar o lip a minha frente”.
Do nosso ponto de remada – que é o lugar da nossa primeira parada – temos um trecho de uns cinco quilômetros até o fim da linha. Mais além deste ponto, há mais seções que dragam o fundo de areia com menos intensidade mas ainda podem ser surfadas. O point é tão longo que com nossa esquelética equipe de apenas dois câmeras, não conseguiríamos capturar nem mesmo uma onda completa.
“Eu queria pegar todas as ondas, minha adrenalina estava muito alta e foi difícil deixar esses tubos insanos de um metro e meio simplesmente passarem por mim”, ele disse. “Em qualquer outro dia você surfaria essa onda e ela com certeza seria a melhor onda da sua sessão. Sem ninguém por perto, eu tinha que esperar pelas bombas. Eu não queria perder a onda do dia depois de ter vindo até aqui”.
E quanto a primeira onda que ele conseguiu surfar até o final?
“Jamais esquecerei”, ele disse. “Eu estava voltando correndo pela praia quando vi esse garoto local agachado na areia. Ele estendeu a mão para eu cumprimentar ele! Eu pensei ‘que legal’, mas só depois eu percebi que ele estava agachado ali dando uma cagada no meio da praia… ahaha”!
Neste mundo há sempre mais de um tipo de serpente com a qual precisamos nos preocupar!
Após uma sessão de cinco horas sem descanso, todo queimado por minúsculas águas-vivas e com os olhos ardendo cheios de areia, Mick estava realizado. Com a barriga vazia Mick comenta brincando na praia, “adoro tubos para o almoço”. Logo um prato recheado chega à sua frente. Ele o devora em pouco minutos junto com uma garrafa inteira de água e pouco depois deita para um merecido descanso de aproximadamente duas horas. Em seguida ele já está de pé correndo pela praia a caminho da zona de drop a quase quinhentos metros de distância de onde os câmeras estavam posicionados para filmar e fotografar.
À tarde, o sol brilhava forte e queimava como fogo. As ondas passaram de um exótico e brilhante verde para um tom arenoso e marrom. Nosso tricampeão mundial estava começando a gostar da coisa. Ele queria um novo desafio.
“Temos que ir mais além deste ponto”! Ele disse freneticamente após sua primeira onda nesta sessão que correu por uns 200 metros com três tubos perfeitos.
“Por que”? Eu gritei, enquanto ele passou correndo. “Aquela sessão mais à frente parece ser muito boa”! Ele estava decifrando a onda.
“É linda demais”! Ele gritou. “Nós não viemos aqui por causa destas aqui atrás. Vamos descer um pouco mais o point naquela direção, pois parece que ali está bombando”! E isso diz muito sobre como Mick encantou a Serpente.
Da minha parte, não pude surfá-la. Indo para lá com o Mick (morrendo de nervoso durante todo o caminho), pensei por um momento que iria pegar as ondas da minha vida. Claro que peguei algumas por um tempo (enquanto Mick corria na areia de volta a zona de drop), mas a maioria das minhas ondas me esmagou rapidamente logo depois de alguns poucos segundos dentro do tubo em minha base de backside. Fiquei cheio de areia escura dentro da sunga!
“Acredito que exista apenas uns cinco surfistas de backside nesse mundo que conseguiriam surfá-la corretamente. É preciso ser muito bom mesmo no tubo para curtir tudo que ela oferece. Precisa olhar para frente de dentro do tubo e decidir entre acelerar dentro do canudo ou atrasar com a mão na borda e saber flutuar por cima da bola de espuma ou ainda ser cuspido pela baforada depois de quatro ou cinco aceleradas no lugar mais crítico da onda. Depois das primeiras tentativas eu pensei… Bom, talvez essa onda seja rápida demais para mim”.
Naquele momento, era minha vez de refletir sobre o que tinha visto e presenciado naquele dia e pensar… “Uau…”
Ao contrário de uma onda artificial projetada pelo homem, desenhada por cientistas, controlada por equipamentos eletrônicos e construída com o melhor que a engenharia de fluídos pode oferecer, A Serpente desafia a lógica.
Tudo sobre esse lugar é um mistério. Em um dia sem ondas e sem ondulação ninguém nunca adivinharia seu potencial para o surf. Seu segredo está escondido silenciosamente na areia e no fluxo de água gerado a partir de um swell especifico, com longo período e direção alinhada exatamente com a bancada.
Assim como na grande maioria dos picos perfeitos ao redor do planeta sua perfeição é originada a partir de ondulações criadas por tempestades que se formaram a milhares de quilômetros de distância do local onde a onda quebra. Ela seduz com linhas longas e definidas que acumularam energia enquanto deslizavam em direção a costa de um lado ao outro do oceano.
Gosto deste pensamento, sobre a Mãe Natureza e o papel que ela desempenha na vida dos surfistas. Na era de ondas artificiais e de conectividade 24 horas por dia e onde uma foto sem graça pode render 1,5 milhão de visualizações e curtidas, compartilhamentos e tudo mais.
Isso não é uma droga de piscina de ondas! Isso é o mundo real. Isso é A Serpente!
Fique ligado para mais descobertas no The Search!